CAPÍTULO 2

        Ainda me lembro de quando tudo começou. O tempo já estava sendo atingido pelo aquecimento global, e por isso a noite não estava com a temperatura certa para a estação. Estava um pouco frio demais. A brisa que entrava pelas falhas da velha janela do meu quarto fazia cócegas em minhas bochechas, e me provocava para tentar ver suas movimentações. Os pincéis, todos eles atirados pela escrivaninha já manchada por tintas de todas as cores, repousavam junto das fotografias totalmente aleatórias que eu gostava de colecionar. Gostos peculiares, personalidade peculiar. Uma relação praticamente obrigatória, porque gostos peculiares só formam elo com coisas peculiares. E uma personalidade peculiar não poderia ter feito algo diferente daquilo que eu resolvi fazer. Apaguei todas as luzes, e corri para a janela. Em segundos, o brilho das estrelas e dos postes da cidade incendiaram os meus olhos, e por incrível que pareça, também meu coração. Ali, eu viajei pela primeira vez sem sair de casa. Foi no exato momento em que vi um prédio não luxuoso, mas também não pobre - era meio termo - com suas janelas sendo iluminadas por lâmpadas de tonalidade amarelada. Eu sei o que você pode estar se perguntando, mas faz sim toda a diferença a tonalidade delas. A isso que denominamos de “meia luz”, está relacionado carinho, emoção, romantismo, harmonia e felicidade. Pelo menos em minha cabeça.
        O prédio fica a mais ou menos uns 6 quarteirões de onde eu moro, mas essa distância nunca fez diferença desde que eu comecei a enxergar vidas e histórias através daquilo tudo. É como se ele provocasse meus instintos mais íntimos e os aflorasse. É incrível como isso me coloca em caminhos diferentes. Sério. É só a calada da noite chegar, que tudo se transforma. É uma mania que eu adquiri depois de ficar absolutamente apaixonada por me apaixonar todo o dia. Já fui capaz de me ver por anos ali, de conhecer mais e mais sobre mim, de conhecer pessoas e manifestações de afeto diferentes daquilo que a realidade nos apresenta na maioria das vezes.
         Eu viajo para um prédio físico, mas na realidade acaba sendo muito mais que isso, porque eu viajo para dentro de mim mesma, e posso saber sobre meus medos, minhas decepções, meus desejos mais íntimos, sobre o que eu penso e sobre como eu vejo o mundo ao meu redor. É simplesmente tão incrível que precisa ser vivido fora do tempo normal, porque não tem como me conectar comigo mesma dessa forma estando presa a uma realidade criada por homens e mulheres que gostam de apreciar um mundo eternamente preto e branco. A vida é mais do que isso, a vida é amor e o amor tem sua tabela da Pantone – são tons incríveis, combinações magníficas.

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